25.11.14

Penúltima infelicidade.
O inverno, que já anunciava sua chegada há dias, finalmente se desmanchara em flocos no chão. A neve cobrindo os telhados dava aquele bairro um ar confortável e aconchegante.
Naquela manhã, ao se levantar da cama e dar as costas a quem estava ao seu lado, Erik sentiu, pela primeira vez, um aperto no peito, um frio no estômago. O sol agora irrompia fraco entre as cortinas, seus raios indo diretamente na pele alva de Charles, iluminando-a e quase sendo refletidos. Os olhos verdes não desgrudavam do peito do menino, que se movia junto com a respiração pesada, dificultada pelo ar gélido.

Erik colocou sua roupa, que jazia jogada na cômoda, sem nenhuma pressa. Ele devia ir embora, mas uma força invisível forçava seu corpo contra o colchão, implorando que ele ficasse. Ele aproximou-se novamente de Charles e o cobriu com as cobertas que ficaram ao pé da cama; três pesados emaranhados de tecido, pelos e espuma.

E então fechou a porta do quarto atrás de si fazendo o máximo possível de silêncio, verdadeiramente.

Dirigindo-se a cozinha, ele pegou uma xícara no armário e preencheu-a com o café quente da garrafa, bebendo lentamente. Apoiou-se no balcão e observou tudo ao seu redor: Os quadros na parede e a lareira que ainda tinha brasa quente, e enquanto rodava os olhos de um canto a outro, a iluminação fraca da manhã brilhou em um objeto pequeno acima de uma das prateleiras recheadas com livros. Erik deixou o copo, agora vazio, no balcão, e dirigiu-se até a fonte do brilho.

De perto, as esmeraldas verdes no broche eram notáveis e chamativas, e ornamentavam toda a extensão do objeto em formato de libélula, de bordas douradas com pontas de ferrugem. Charles havia guardado aquilo, não como se realmente acreditasse no poder místico de algumas pedras e metais, mas como se “acreditasse na presença de Erik toda vez que usava o acessório”; fora o que disse logo depois da apresentação do tranque d’água, afinal, e agora o de olhos verdes sabia que era a mais pura verdade.

Olhos esses que já lacrimejavam.

Erik apertou a mão ao redor do broche e apertou-o contra o peito. Ele não devia ir embora.
Ao ouvir passos na escada ele rapidamente o guardou no bolso interno do casaco que usava e virou-se imediatamente, Charles estava encostado no batente da porta que dava fim ao corredor, encarando-o com a mesma expressão de dias antes, um misto de incredulidade e tristeza. Ele abriu a boca algumas vezes antes de conseguir pronunciar as palavras.

-Você vai mesmo, não é? –Sua voz saíra rasteira, baixa e arrastada. Isso foi como uma facada no coração de Erik. – Eu entendo, é a sua vida. – Charles completou cruzando os braços e balançando os ombros, ele não podia fazer nada, além disso.

-Charles, eu... – Erik procurava palavras em todos os cantos de sua mente, mas era como se todo o seu raciocínio tivesse sido levado embora com o vento frio da manhã.

O mais novo ali trocou o peso das pernas e encarou o outro, que parecia capaz de afundar no chão, de tão profundamente que o encarava. O silêncio foi inevitável, longos minutos de olhares desviados e uma torturante espera para ambos, que realmente esperavam que alguém se pronunciasse.

Por fim, em parte já cansado daquilo, Charles dirigiu-se a porta, abrindo-a e apontando a saída educadamente, encarando o outro com o canto dos olhos.

-Eu não te peço que fique, por mim está tudo bem.

Erik caminhou lentamente até a saída, e se pôs um palmo do lado de fora, logo virando novamente de frente para Charles, encarando-o de perto, se deixando hipnotizar pelas íris azuis assim como fizera quando se esbarraram na primeira vez. Mas agora elas não brilhavam. Começavam a ficar rodeadas por uma aura vermelha, e lágrimas já escorriam do rosto do rapaz, que mesmo visivelmente abalado, não mudava a face séria, a expressão indecifrável.

Num último lampejo de esperança, de uma despedida menos dolorosa, Erik diminuiu ainda mais o espaço entre os corpos, deixando sua mão direita segurar a cintura de Charles. A outra procurava a os dedos do rapaz, entrelaçando neles quando os encontrou. Era como se eles fossem dançar novamente naquele teatro vazio, mas não havia a mesma felicidade de antes.
Suas respirações se uniram e os lábios gelados de Erik logo tocaram cuidadosamente os de Charles, quase timidamente, se não fosse pelo fogo que claramente rodeava ambos. Alguns segundos depois, já haviam mordidas suaves e bocas rosadas pela pressão que sofriam. E eles ficaram assim por um tempo incontável.

Mesmo após o fim do beijo eles continuaram ali, unidos, entrelaçados, uma despedida silenciosa vagando entre suas mentes.

-Você tem que ir. –Charles sussurrou, ainda com a cabeça apoiada no ombro do outro.
E então a mão gelada de Erik tocou seu rosto, acariciando-o, causando agradáveis arrepios no caminho trilhado por seus dedos. A distância aumentou gradativamente, até que só restassem dois braços dobrados. Eles não haviam soltado as mãos, não era tão fácil.
Erik encarava o chão novamente, e então voltava o olhar para as gélidas íris azul-claro de Charles.

-Charles, eu t... –Seus lábios foram encobertos pelos do outro, que selou um beijo rápido, logo soltando suas mãos e voltando para trás da porta.

-Por favor, não... Não diga isso. –E a madeira antiga e envernizada cobriu a visão do mais velho. Charles fechara a porta já chorando, dessa vez sem disfarçar o que sentia com uma máscara de seriedade.

Erik encarou o corredor por um longo tempo, estático, até reagir novamente.
...
Charles apoiou-se completamente na porta, deixando o peso de seu corpo levá-lo de encontro ao chão. Ele se sentia uma criança novamente, sentia-se como se sentira na morte de Ewan, mas agora não tinha ninguém para consolá-lo. Tapando sua boca para que o choro fosse contido e não acordasse Raven, ele permaneceu lá por horas, chorando toda sua dor, dissipando os maus sentimentos com lágrimas. Não era como se ele tivesse a opção de correr atrás de Erik nesse momento.


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